quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Onilé era a filha mais recatada e discreta deOlódùmarè

Vivia trancada em casa do pai e quase ninguém a via; quase nem se sabia de sua existência. Quando os orixás seus irmãos se reuniam no palácio do grande pai para as grandes audiências em que Olódùmarè comunicava suas decisões, Onilé fazia um buraco no chão e se escondia, pois sabia que as reuniões sempre terminavam em festa, com muita música e dança ao ritmo dos atabaques. Onilé não se sentia bem no meio dos outros. Um dia o grande deus mandou os seus arautos avisarem: haveria uma grande reunião no palácio e os orixás deviam comparecer ricamente vestidos, pois ele iria distribuir entre os filhos as riquezas do mundo e depois haveria muita comida, música e dança. Por todos os lugares os mensageiros gritaram esta ordem e todos se prepararam com esmero para o grande acontecimento. Quando chegou por fim o grande dia, cada orixá dirigiu-se ao palácio na maior ostentação, cada um mais belamente vestido que o outro, pois este era o desejo de Olódùmarè. Iyamojà chegou vestida com a espuma do mar, os braços ornados de pulseiras de algas marinhas, a cabeça cingida por um diadema de corais e pérolas, o pescoço emoldurado por uma cascata de madrepérola. Osòósì escolheu uma túnica de ramos macios, enfeitada de peles e plumas dos mais exóticos animais. Osaniyn vestiu-se com um manto de folhas perfumadas. Ògún preferiu uma couraça de aço brilhante, enfeitada com tenras folhas de palmeira. Òsún escolheu cobrir-se de ouro, trazendo nos cabelos as águas verdes dos rios. As roupas de Òsúmaré mostravam todas as cores, trazendo nas mãos os pingos frescos da chuva. Oya escolheu para vestir-se um sibilante vento e adornou os cabelos com raios que colheu da tempestade. Sangó não fez por menos e cobriu-se com o trovão. Òsalà trazia o corpo envolto em fibras alvíssimas de algodão e a testa ostentando uma nobre pena vermelha de papagaio. E assim por diante. Não houve quem não usasse toda a criatividade para apresentar-se ao grande pai com a roupa mais bonita. Nunca se vira antes tanta ostentação, tanta beleza, tanto luxo. Cada orixá que chegava ao palácio de Olódùmarè provocava um clamor de admiração, que se ouvia por todas as terras existentes. Os Òrisás encantaram o mundo com suas vestes. Menos Onilé. Onilé não se preocupou em vestir-se bem. Onilé não se interessou por nada. Onilé não se mostrou para ninguém. Onilé recolheu-se a uma funda cova que cavou no chão. Quando todos os Òrisás haviam chegado, Olódùmarè mandou que fossem acomodados confortavelmente, sentados em esteiras dispostas ao redor do trono. Ele disse então à assembléia que todos eram bem-vindos. Que todos os filhos haviam cumprido seu desejo e que estava tão bonito que ele não saberia escolher entre eles qual seria o mais vistoso e belo. Tinha todas as riquezas do mundo para dar a eles, mas nem sabia como começar a distribuição. Então disse Olódùmarè que os próprios filhos, ao escolherem o que achavam o melhor da natureza, para com aquela riqueza se apresentar perante o pai, eles mesmos já tinham feito a divisão do mundo. Então Iyamojà ficava com o mar, Òsún com o ouro e os rios. A Òsòósì deu as matas e todos os seus bichos, reservando as folhas para Òsaniyn. Deu a Oya o raio e a Sangó o trovão. Fez Ósalà dono de tudo que é branco e puro, de tudo que é o princípio, deu-lhe a criação. Destinou a Òsumaré o arco-íris e a chuva. A Ògún deu o ferro e tudo o que se faz com ele, inclusive a guerra. E assim por diante. Deu a cada òrisà um pedaço do mundo, uma parte da natureza, um governo particular. Dividiu de acordo com o gosto de cada um. E disse que a partir de então cada um seria o dono e governador daquela parte da natureza. Assim, sempre que um humano tivesse alguma necessidade relacionada com uma daquelas partes da natureza, deveria pagar uma prenda aoòrisà que a possuísse. Pagaria em oferendas de comida, bebida ou outra coisa que fosse da predileção do òrisà. Os òrísàs, que tudo ouviram em silêncio, começaram a gritar e a dançar de alegria, fazendo um grande alarido na corte. Olódùmarè pediu silêncio, ainda não havia terminado. Disse que faltava ainda a mais importante das atribuições. Que era preciso dar a um dos filhos o governo da Terra, o mundo no qual os humanos viviam e onde produziam as comidas, bebidas e tudo o mais que deveriam ofertar aos òrísàs. Disse que dava a Terra a quem se vestia da própria Terra. Quem seria? Perguntavam-se todos? " Onilé ", respondeu Olódùmarè. " Onilé?" todos se espantaram. Como, se ela nem sequer viera à grande reunião? Nenhum dos presentes a vira até então. Nenhum sequer notara sua ausência. "Pois Onilé está entre nós", disse Olódùmarè e mandou que todos olhassem no fundo da cova, onde se abrigava, vestida de terra, a discreta e recatada filha. Ali estava Onilé, em sua roupa de terra. Onilé , a que também foi chamada de Ilè, a casa, o planeta. Olódùmarè disse que cada um que habitava a Terra pagasse tributo a Onilé, pois ela era a mãe de todos, o abrigo, a casa. A humanidade não sobreviveria sem Onilé. Afinal, onde ficava cada uma das riquezas queOlódùmarè partilhara com filhos òrísàs? "Tudo está na Terra", disse Olódùmarè. "O mar e os rios, o ferro e o ouro", Os animais e as plantas, tudo" , continuou; até mesmo o ar e o vento, a chuva e o arco-íris, tudo existe porque a Terra existe, assim como as coisas criadas para controlar os homens e os outros seres vivos que habitam o planeta, como a vida, a saúde, a doença e mesmo a morte. Pois então, que cada um pagasse tributo a Onilé, foi a sentença final de Olódùmarè. Onilé, òrisà da Terra, receberia mais presentes que os outros, pois deveria ter oferendas dos vivos e dos mortos, pois na Terra também repousam os corpos dos que já não vivem. Onilé, também chamada Aiyé, a Terra, deveria ser propiciada sempre, para que o mundo dos humanos nunca fosse destruído. Todos os presentes aplaudiram as palavras de Olódùmarè. Todos os òrisàs aclamaram Onilé. Todos os humanos propiciaram a mãe Terra. E então Olódùmarè retirou-se do mundo para sempre e deixou o governo de tudo por conta de seus filhos òrisàs

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